sábado, 30 de agosto de 2025

NO RETÃO DA MEMÓRIA - Por Sebastião Albuquerque

Era uma tarde dourada no Hipódromo Edmilson Moreira. O vento soprava macio vindo do Acaraú e as arquibancadas fervilhavam com o burburinho alegre de um tempo que não volta mais — mas insiste em galopar dentro da gente. 

Eu estava ali, garoto, como sempre estive, ao lado do meu pai, Rubira Albuquerque, que não via a vida em anos, mas em páreos. Para ele, viver era alinhar-se no partidor com fé, correr o retão da existência com coragem e, se possível, cruzar o espelho na frente — ainda que fosse por pescoço. 

Rubira, dono dos craques Dominó, Mandarim, PeterPan, Pagode e Cruzeiro. Cada um com seu estilo, cada um com sua história. Dominó era fogo nos cascos; Mandarim, pura elegância na raia. PeterPan, veloz como a infância que passou depressa demais. Pagode trazia música nas passadas. E Cruzeiro... ah, Cruzeiro corria como quem conhece o caminho de volta pra casa. 

Naquele dia, os nomes dos antigos craques ecoavam pelo hipódromo como sussurros trazidos pelo vento. Via o passo elegante de Black Orion, o trotar firme de um incansável Swing, o faro certeiro de vitória em Japomar. 

E então vinham outros, um a um, como se perfilassem no partidor da lembrança: Marítimo, Garboso, Satélite, Apatita, Mirambé, Íbis, Brilhantina, Mucuripe, Estrela, Nebulosa, Rigor, Tio Godoy, Crepúsculo, Quaró, Astra, Detetive, Trevo, Portinari, Sweet and Lover, Japomar Junior, Guequari, Maniador, Cambriole, Pensador, Joiosa, Gilda, Barbara, Sisi, Êlevo, Jaqueline, Zovvo, Parceirada, Walledon, Rebeca, Doridana, Belgrado, Bailarina, Flecha Cancan, Debutante, Safira, Django, Furacão, Tulipa, Detetive-B, Cléo, Pinóquio, Juriti, Cadetinho, Bacará, Maria Bonita… 

Cada nome, uma história riscada na pista. Cada casco, uma batida no meu peito. 

Na tribuna nobre do hipódromo, os grandes nomes do turfe estavam presentes — alguns em carne viva, outros em saudade eterna ou virados lenda de páreo corrido: José Maria Sampaio, que só botava cavalo na raia pra ganhar; Eduardo Sanford, bandeirinha atento, validando ou anulando a largada com a autoridade de quem entende o galope; e Antônio Félix Ibiapina, que dava a largada com braço firme e alma acelerada. 

Nas arquibancadas, contando aos ouvintes da Rádio Iracema a história daquele páreo estavam José Aguiar Frota e José Fontineles, enquanto Edmilson Souza comentava com o peso de quem sabe ler um páreo no olhar do animal. Lulu Bento, treinador da coudelaria vencedora e esposo de Dona Iracema, comandava tudo no silêncio dos que fazem mais do que falam. 

Na casa de apostas, Luis Bacural ou Claudio Gurgel gritavam o leilão, enquanto vi Martônio Barreto e Marcos Rangel fazendo fé com coragem de apostador de verdade. Lá do alto, João Alberto Adeodato vigiava com confiança a performance dos seus corredores da Coudelaria Santa Luzia. Dr. Carlos Saboya, com sua calma de quem já viu muitos discos finais, observava tudo com elegância. E por ali também circulavam Ildefonso Frota Carneiro, Renato Parente, Humberto Lopes, Gerardo Atibones, os irmãos Veimar, Edmilson e Diro Moreira, todos fiéis ao seu modo próprio de ver e viver o turfe. Pedro Guimarães, com alma de velho jóquei e memória de quem já viu cavalo voar, se misturava à lenda viva Zequinha Silvestre, da comissão de corrida, que lia um páreo como quem decifra o tempo. 

No paddock, desfilavam com a elegância de quem conhece o peso do arreio os irmãos Viana — José, Leopoldo e Cornélio — ao lado de craques como J. Humberto, J. Alves e F. Costa, jóqueis de mãos leves como as de pianista e frieza calculada de enxadrista. E como não lembrar dos pioneiros que abriram as pistas do velho Prado? Bilau, Zeca Silvino, Vicente Marinheiro — nomes que ainda ecoam nas curvas da raia —, todos sob o olhar atento e a sabedoria do velho Raimundo Silvino, mestre das cocheiras, e do lendário tratador Cândido, que conhecia o cavalo pelo olhar e o estado do animal só de escutar o som dos cascos. 

Enquanto isso, as moças elegantes desfilavam suas apostas e seus vestidos como se o mundo fosse só aquele instante. E talvez fosse mesmo. 

A pista era um teatro da vida. Havia o favorito, a barbada, que às vezes decepcionava. Havia o azarão, aquele de pule alta, que surpreendia e fazia gente chorar de alegria e gritar feito menino. Havia tropeços, lesões, fotos na cabeceira, retões de superação. Como na vida. 

A gente aposta em gente, em caminhos, em escolhas. Às vezes ganhamos com folga; outras, cruzamos em último. E há dias — os mais duros — em que nem largamos, ficamos no box, presos pelo medo ou por um acaso que a comissão não julga. 

E no entanto, seguimos acreditando. Porque viver é isso: confiar no nosso “puro-sangue” interior, mesmo quando a pista está pesada. 

Hoje, quando olho para trás, vejo que meu pai não era só criador de campeões. Era também domador de ilusões. E ensinava que, no fim das contas, não importa só vencer. Importa correr bonito. Com raça. Com honra. 

E assim, sigo correndo. E quando, enfim, ouvir o estalo das portas se abrindo e o narrador bradar com alma: “Largaram!”, que eu esteja pronto para alinhar mais uma vez no partidor da vida — mesmo que seja o último páreo. Porque, no fundo, a vida é páreo corrido, e quem entrega o coração à pista nunca corre em vão.

 

sábado, 25 de janeiro de 2025

Os 5 que salvaram o Brasil


 

Em dezembro de 2022, o Brasil se viu à beira de um golpe de Estado. A ameaça de uma ruptura democrática foi real, mas a coragem de generais comprometidos com a Constituição e a covardia de Jair Bolsonaro impediram que o país fosse levado para a escuridão de uma nova ditadura. A trama, revelada pela Polícia Federal, expôs o papel crucial de cinco generais do Exército, que resistiram firmemente às pressões golpistas e garantiram que a democracia fosse preservada.


O Exército Brasileiro está dividido em seis grandes áreas geográficas de comando, as três principais estavam sob o comando de generais que se opuseram diretamente à tentativa de golpe de Bolsonaro. O general Tomás Paiva, comandante do Comando Militar do Leste, e o general Richard Nunes, comandante do Comando Militar do Nordeste, representaram a resistência legalista. No Comando Militar do Sul, estava o general Fernando Soares, que, à frente de uma divisão com mais da metade dos tanques do Exército, manteve-se firme na defesa da Constituição.

 

Esses generais, junto com um quarto oficial ainda não identificado, formaram a linha de frente contra a intervenção militar. Em uma troca de mensagens revelada pela Polícia Federal, um dos coronéis golpistas, Reginaldo Vieira de Abreu, conhecido como “Velame”, descrevia que cinco generais se opunham ao golpe, três estavam a favor e os outros estavam indecisos. Os legalistas eram os líderes das divisões estratégicas, e sua lealdade à Constituição foi decisiva para impedir que o golpe fosse adiante.

 

Jair Bolsonaro, incapaz de agir diretamente, tentou manipular os militares para que tomassem as rédeas do golpe. Em 7 de dezembro de 2022, ele convocou uma reunião com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio, e os comandantes das Forças Armadas. O comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, concordou prontamente com a proposta de uma intervenção militar, mas os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Batista Júnior, e do Exército, general Freire Gomes, se opuseram veementemente. Freire Gomes chegou a ameaçar prender Bolsonaro caso ele insistisse no decreto de intervenção.

 

Diante da resistência, Bolsonaro chamou o general cearense Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, responsável pelo Comando de Operações Terrestres, que era favorável ao golpe. Theophilo afirmou que, se Bolsonaro assinasse o decreto, ele comandaria o golpe. No entanto, Bolsonaro não teve coragem de assinar o decreto, preferindo transferir a responsabilidade para outros, sem se comprometer diretamente.

 

No dia 14 de dezembro, quando o golpe estava iminente, o ministro Paulo Sérgio convocou novamente os comandantes das três Forças Armadas para apresentar uma nova versão do decreto golpista. O Brigadeiro Batista Júnior foi incisivo: perguntou se o decreto impediria a posse do presidente eleito. Quando Paulo Sérgio não soube responder, o Brigadeiro se levantou e deixou a sala, destacando a falta de comprometimento de Bolsonaro em romper com a democracia.

 

O golpe estava programado para 15 de dezembro de 2022, com a prisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a tomada do TSE. No entanto, a tentativa de golpe foi abortada pela resistência dos cinco comandantes legalistas. Sem o apoio das divisões militares, os golpistas não tinham a estrutura necessária para concretizar o plano.

 

A coragem do brigadeiro Batista Júnior, na Aeronáutica, e dos generais Freire Gomes, Tomás Paiva, Richard Nunes e Fernando Soares, que comandavam as divisões mais poderosas do Exército, foi essencial para que o Brasil evitasse uma ruptura institucional. Ao contrário de outros membros das Forças Armadas que cederam às pressões, esses militares defenderam a legalidade, preservando a Constituição e garantindo que o processo democrático seguisse seu curso.

 

Se, naquele dezembro, os cinco comandantes tivessem sucumbido às pressões e caprichos de Jair Bolsonaro, o golpe de Estado teria sido consumado, e a história do Brasil teria tomado um rumo sombrio e imprevisível. O destino da nação foi, portanto, definido pela coragem desses homens. Graças a eles, nós, brasileiros, preservamos o direito de relatar este episódio com a liberdade que ainda nos resta, sem precisar submeter-nos aos horrores de um novo DOI-CODI, ou a quaisquer outras formas de opressão que possam ameaçar nossa democracia.