segunda-feira, 18 de maio de 2009

Segue a cópia da decisão que cassou Marco Prado

No post anterior, equivocadamente dissemos que a decisão que afastou Marco Prado teria sido lavrada pelo MM Juiz, Dr. Maurício Fernandes, quando, na verdade, a decisão foi realmente prolatada pelo Dr. Jorge Di Ciero Miranda. Segue, em primeira mão, cópia integral da decisão: Protocolo n.º 156610/2008 Autos n.º 351/2008 Natureza: Ação de Investigação judicial eleitoral Candidato: Marco Antônio Barroso Prado SENTENÇA Para que ocorra a violação da norma do artigo 41-A da Lei 9.504/97 não é necessário que a compra de votos seja efetuada diretamente pelo candidato. É suficiente que, sendo evidente o benefício do ato, haja participado de qualquer forma o candidato ou com ele consentido. Ministério Público eleitoral instaura investigação judicial contra o candidato Marco Antônio Barroso Prado, por captação ilícita de sufrágio, arrecadação e gastos ilícitos de recursos nas eleições municipais de 2008, respaldado nos artigos 30-A e 41-A da Lei n. 9504/97. Autor afirma que o candidato, por preposto, oferecia dinheiro a eleitores para angariar-lhes o voto, simulando a ilicitude sob denominação de fiscais voluntários. Imputa, também, desvio de recursos por incompatibilidade entre o número de veículos e o volume de combustível declarado nas despesas de campanha. A defesa entende que não contrariou a legislação eleitoral. Reputa legítima a atitude consistente na reunião de “pessoas do povo, por livre e espontânea vontade”, sem o conhecimento do impugnado, para fiscalizar as sessões eleitorais, com adesivos do candidato em suas roupas. Reputa compatível o gasto de combustível com os veículos declarados. Ouvidas as testemunhas indicadas, sem diligências requeridas por qualquer das partes, o promotor eleitoral entendeu comprovada a tese inicial e insistiu na cassação do diploma já expedido. A defesa concluiu pela inexistência de qualquer irregularidade na colaboração de eleitores como fiscais, fora da seção eleitoral, sem credenciamento pelo partido, porque a atuação deles seria distinta daquela prevista em lei. FUNDAMENTAÇÃO A prestação de contas do candidato investigado foi reprovada e tudo que lhe diz respeito, nesta ação, será analisado sob a perspectiva da ilegalidade prevista na lei 9.504/97. A defesa é esquiva em suas alegações e em nenhum momento é cabal no sentido de esclarecer se contratou ou não as pessoas que se declaravam fiscais, não formula tese específica nem se baseia em fatos que possam refutar a linha argumentativa elaborada pelo investigante. Não é possível captar a essência dos argumentos defensivos do candidato, seus enunciados são lacônicos e inconclusivos, como se vê do trecho destacado da contestação: “Neste passo, diversos eleitores, VOLUNTARIAMENTE, realizaram uma espécie de fiscalização, visando por fim, se não tanto, pelo menos diminuir práticas irregulares ocorridas durante o pleito. É de importância mencionar que o promovido SEQUER TINHA CONHECIMENTO DESTE TRABALHO VOLUNTÁRIO DE FISCALIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES” (fls. 82 – grifo no original). Pode-se então extrair que, de acordo com a defesa, o candidato investigado não sabia do trabalho dos fiscais, nem foram por ele contratados. Ou ainda, que a prestação do serviço era voluntária e legítima, porque não afrontava vedação legal, objetivava, isto sim, diminuir práticas irregulares durante o pleito, já que era “de conhecimento de grande parte da população que candidatos ímprobos ‘compram o voto’ de eleitores mais humildes” (contestação fls. 82). É sobre cada um dos temas que me debruço: Candidato investigado não sabia do trabalho dos fiscais, nem foram por ele contratados. Antônio Oliveira da Costa, conhecido por Lolô é elemento capital na compreensão dos fatos. Afirmou em seu depoimento perante o MP (fls. 86 do anexo 1), posteriormente submetido ao contraditório e ratificado sem alterações em audiência judicial (fls. 115), que foi procurado por Marco Prado para trabalhar em sua campanha, sem dinheiro para remunerá-lo. Aceitou o convite porque já votava no candidato e o seu trabalho era mesmo pedir voto e distribuir santinho. A defesa, apesar de vagamente referir-se à ausência de contraditório, não menciona em que consistiria a falta de oportunidade para manifestar-se sobre as provas produzidas. No caso de Antônio Oliveira da Costa, v. Lolô, passou ao largo das referências que a testemunha fez sobre sua contratação e os serviços que prestou. Preferiu não definir a forma ou natureza da participação da testemunha basilar, impedindo que dela todas as demais relações fossem extraídas. Desperdiçou oportunidade relevante e, preclusa, permitiu que os contornos jurídicos da relação se baseassem exclusivamente na primazia da realidade. Da menção de que seu ofício era pedir votos e distribuir santinhos conclui-se pela natureza dúplice da prestação: a preposição, já que pede votos em nome de outra pessoa, autorizado por ela, e a laboral, consistente no exercício de atividade pessoal e controlada, mesmo ocultando em que consistiria a contraprestação. Ao negar ganho pelo trabalho realizado, revela doação de serviço estimável em pecúnia que necessariamente deveria ser contabilizado nas contas respectivas. Caracterizado que Lolô atuava como preposto, o candidato representado não pode alegar desconhecimento dos atos que pratica porque o faz em seu nome, conforme investidura que pessoalmente constituiu (fls. 86, anexo 1). A contestação foi a última oportunidade para que a defesa definisse, dentro dos princípios da boa-fé processual, os contornos da contratação admita por incontroversa. Para que ocorra a violação da norma do artigo 41-A da Lei 9.504/97 não é necessário que a compra de votos seja efetuada diretamente pelo candidato. É suficiente que, sendo evidente o benefício do ato, haja participado de qualquer forma o candidato ou com ele consentido. Desse modo, se é verdade que o candidato não sabia das contratações, tal proposição é irrelevante, porque se presumem feitas em seu nome, em virtude da cadeia de representações validamente estabelecida, quando pessoalmente contratou Lolô para trabalhar em sua campanha. Refuto, portanto a alegação de que candidato investigado não sabia do trabalho dos fiscais, nem foram por ele contratados. A prestação do serviço era voluntária A maioria das pessoas ouvidas pela representante ministerial revelou hora marcada para apresentação no início dos trabalhos, de saída para almoço e de retorno, estavam ainda definidos atribuição e local de cada um, conforme deliberação de um comando central, o que é suficiente para afastar a voluntariedade. Apenas para distinguir conceitos, vejo que a defesa identifica voluntariedade com a ausência de pagamento em espécie. Adoto a expressão como a liberdade do prestador quanto à forma e conveniência da atividade que livremente se dispõe a desempenhar e permanecer nela, o que a tornaria incompatível com a regulamentação que restou provada. A prestação do serviço era legítima porque não encontra vedação legal A legislação eleitoral regulamenta a atividade de fiscalização. O limite estipulado de dois fiscais por candidato, com credenciais expedidas diretamente pelos delegados de partido, levou a extremos a informalidade e o limite máximo a tal ponto que não se justifica a contratação de fiscais de maneira diversa da que ela preconiza. O fiscal credenciado poderia, inclusive, ingressar na seção eleitoral, o que não afasta a possibilidade de manter-se nos locais onde a defesa acredita justificar a exclusão da formalidade exigida em lei. A possibilidade de nomear fiscais com maiores prerrogativas não autoriza a contratação de voluntários para realizarem o papel que compete à justiça eleitoral, seus agentes e aos fiscais regularmente instituídos. Há sim vedação legal para a contratação de fiscais sem observar credenciamento partidário estipulado. Sob a denominação de fiscais, o candidato, por seu preposto, contratou pessoas que se aglomeravam nas imediações das seções eleitorais, conforme se vê das fotos exemplificativas (fls. 56), suficiente para caracterizar manifestação coletiva vedada pelo art. 70 § 1º da res. 22.718/08, demonstrando a ilegalidade da conduta. Lembra ainda o § 3º do mesmo artigo, que aos fiscais partidários, nos trabalhos de votação, só seria permitido apor em suas vestes ou crachás apenas o nome e a sigla do partido político ou coligação a que serviam. Para impedir violação da legislação eleitoral e permitir aglomerações, o impugnado define seus colaboradores como fiscais; para viabilizar a manifestação pessoal de sua preferência no recinto e proximidade das seções, os denomina eleitores. Apostava no descaso e fiscalização ineficiente, acreditava na inaptidão dos instrumentos para coibir sua ingerência para distorcer o resultado da eleição e não foi capaz nem mesmo de explicitar a natureza jurídica dos que trabalharam em sua campanha. Era de conhecimento de grande parte da população que candidatos ímprobos "compram o voto" de eleitores mais humildes Apesar de entender que a corrupção no processo eleitoral é fato notório, por vezes tem-se grande dificuldade em admiti-lo em processos que julgam casos de abuso do poder econômico. A declaração de que grande parte da população tinha conhecimento da existência da compra de votos, conforme a defesa justificou como respaldo para saturar seções eleitorais com fiscais não credenciados, permite admitir incontroversa a alegação de que candidatos ímprobos “compram o voto” de eleitores mais humildes. A contratação dos fiscais objetivava diminuir práticas irregulares durante o pleito Muito oportuno que o tema seja trazido exatamente por quem figura no polo passivo do processo de investigação judicial por irregularidade no pleito. Nos múltiplos depoimentos nos quis as testemunhas buscavam coerência e justificativa para o trabalho não remunerado, ouviu-se dizer que o faziam por votarem há muitos anos nos ascendentes do investigado, para os cargos que concorreram. Da convicção popular sobre compra de votos em Sobral, decorrente de processos históricos eleitorais viciados - incontroverso nestes autos - somado ao fato notório, de um passado não muito distante, marcado pela disputa de poder alternada entre duas famílias influentes na região: os Prado e os Barreto; pela primeira vez a notícia etérea de corrupção toma corpo, assume nome e sobrenome. Em seu depoimento, Lucilene Aquino do Nascimento (fls. 116) assume que apesar de Lolô haver explicado desde o início que o trabalho não seria remunerado, “ela não havia entendido porque pensava que seria igual às outras eleições, nas quais votava e recebia. Acompanha a trajetória da família do Marco Prado e sempre votou neles. Somente depois da votação ficou sabendo que o trabalho seria voluntário e não remunerado”. O que a defesa denomina de trabalho de fiscalização voluntário é bem explicitado pelas testemunhas ouvidas pelo MP nas seções eleitorais (acostadas no anexo 1) como Aline Kelvia Silvia do Monte (fls. 82), Antônia Janaína dos Santos (fls. 83), Lucilene Aquino do Nascimento (fls. 84) que ainda aproveitou para acrescentar que o pagamento não saiu por causa da justiça eleitoral, todas alegando que receberiam R$ 20,00 pelo serviço. Apesar da colaboração formal pífia das notícias trazidas de que a compra de votos para esta eleição aconteceria através da contratação simulada de fiscais, já que o informante não se dispunha à exposição e perseguição dos políticos eternizados no poder, foram de grande valor prático porque permitiram despertar para a necessidade de tentar coibir essa iniciativa, ou puni-la acaso inevitável, exatamente como acontece em dois dos quatro processos instaurados para apurar irregularidades nas eleições de outubro de 2008, evitando o desperdício do esforço por incapacidade da justiça eleitoral dar cabo às práticas viciadas. A tentativa de ocultar o evidente assemelha-se ao deboche de testemunhas que negavam conteúdos já confessados como aconteceu com Tadeu Sousa Arruda (fls. 120) quando disse conhecer superficialmente Lolô desde que este acompanhou Marco Prado na eleição para prefeito (2004), acrescentando que não conhecia qualquer cabo eleitoral de Marco Prado, nem as atribuições de Lolô. Rafran (fls. 122) e Francisco Miguel (fls. 119) deixaram claro que existia um horário para apresentar-se no início dos trabalhos no dia da votação, e que a centralização das atividades era da responsabilidade de Lolô, que também se encarregaria de manter consigo o material para ser distribuída no fatídico dia, acaso alguns dos trabalhadores não portasse os adesivos e o papel do candidato, distribuído nos antecedentes. A ausência do flagrante do pagamento ou a recusa em ratificar depoimentos prestados logo após a ação ministerial de perspectiva de remuneração não é capaz de suplantar as evidências de trabalho com evidente conteúdo econômico, consistente na cooptação de votos mediante a promessa de pagamento, associado à obrigação de permanecerem nas imediações das seções eleitorais promovendo aglomerações com identificações que os vinculava ao candidato impugnado, funcionando como propaganda ambulante, em dia e área vedada pela legislação, além de traduzir ao eleitor, que se encaminha para o sufrágio, a noção de força pelo volume. Com a atitude tem-se duplo efeito benéfico ao candidato investigado que no dia da eleição paga eleitor para a expressamente proibida “boca de urna” e ainda capta o seu voto em troca de dinheiro ou outro bem da vida restando evidente a incidência na vedação posta no artigo 41-A da lei 9.504/97, além dos indicativos da ocorrência do crime previsto no artigo 39, § 5º, II da mesma lei, para o que deve ser intimado o MP com atuação criminal eleitoral definida para o período eleitoral de 2008 em Sobral. Apesar de entender desnecessária a comprovação da potencialidade diante da configuração da captação ilícita de sufrágio, no caso dos autos fica ainda mais evidente pela demonstração da prática vedada e do êxito do investigado na sua eleição para vereador. A oferta de recompensa aos eleitores para votarem no candidato importa igualmente em captação e emprego ilícito de recursos destinados a campanha eleitoral comprometendo a higidez da campanha eleitoral protegida pelo artigo 30-A da lei 9.504/97 igualmente violada pelo investigado. Despesas com veículos de propaganda e das despesas com combustível: A oportunidade que dispunha o candidato para lançar despesa com veículos e combustível e comprovar o que pretende se faça por presunção deveria ocorrer na primeira prestação de contas parciais com data limite em 06/08/08 (artigos 1º, §4º e 48 da resolução 22.715/08), não houve comprovação ou sequer menção que isso tenha acontecido, permitindo concluir que os carros somente teriam sido utilizados após o período de vigência da segunda prestação parcial abrangida pelo intervalo de 09/09/08 até o dia da eleição. No entanto essa irregularidade já foi adequadamente sancionada com a reprovação das contas e que agora se encontra submetida à revisão em segunda instância. Não há respaldo nos autos que justifique a conclusão de que o excedente do combustível impossível de ser utilizado pelos veículos discriminados servira para viabilizar a compra de votos. Não há como identificar quantitativo do excedente de combustível ou a sua destinação. Os recursos utilizados para corromper os eleitores não precisam necessariamente dispor de origem declarada. Sem outros elementos que me autorizem adotar o entendimento inicial do MP de que os gastos com combustível seriam incompatíveis com os veículos e períodos declarados com aproveitamento do excedente para corrupção eleitoral, refuto-o. DISPOSITIVO Diante do exposto reconheço: - Incontroversa a existência de abuso do poder econômico nas eleições de 2008 em Sobral. - Que o candidato Marco Antônio Barroso Prado, por seu preposto, sem observar credenciamento partidário estipulado em lei, ofereceu dinheiro para eleitores em troca de voto, exigia que se apresentassem com dois adesivos afixados em local visível na vestimenta e permanecessem aglomerados nos arredores das seções eleitorais. - Que a postura do candidato importa em “boca de urna” e captação ilegal de sufrágio incidindo na vedação posta no artigo 41-A da lei 9.504/97 - Indicativos da ocorrência do crime previsto no artigo 39, § 5º, II da mesma lei, cometidos tanto pelo candidato como seu preposto Antônio Oliveira da Costa, conhecido por Lolô, devendo para tanto ser intimado o MP com atuação na 121ª ZE por reunir competência criminal eleitoral definida na portaria 348/08 para o período eleitoral de 2008 em Sobral. - Que o candidato incorreu na vedação prevista no artigo 30-A da lei 9.504/97, consistente na captação e emprego ilícito de recursos destinados a campanha, demonstrada pela disponibilidade financeira para oferta de recompensa aos eleitores em troca do voto, e com isso comprometeu a higidez da campanha eleitoral. Comprovados gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais e a captação ilícita de sufrágio, com fundamento no art. 30-A § 2º e 41-A da lei 9.504/97, casso o diploma já outorgado a Marco Antônio Barroso Prado nas eleições municipais de 2008, e condeno-o a multa de 30 mil UFIR em razão da expressão econômica avantajada que sua campanha revelou, ainda que não expressa na sua contabilidade. P. R. Intime-se por fax o advogado do investigado. MP nos autos. Sentença de aplicação imediata, sujeita a revisão apenas no efeito devolutivo. Convoque-se o suplente para posse imediata, comunicando-se a presidência da Câmara de Sobral para suspensão da prerrogativa. Custas pelo réu. Sobral, sexta-feira, 15 de maio de 2009. Jorge Di Ciero Miranda Juiz Eleitoral

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